A violência contra a mulher, tanto no campo quanto na cidade, também foi debatida durante a Feira Saberes e Sabores da Terra, que ocorreu na praça Alencastro, em Cuiabá, e quem passou por lá pode acompanhar. O estado de Mato Grosso é um dos mais machistas da federação e um dos que mais cresce em casos de feminicídio. Participaram da roda de conversa “Cuiabá: Capital do Agronegócio e do machismo”, várias mulheres, desde transeuntes que passavam pela feira, universitárias e mulheres do campo.

A feira ocorreu nos dias 12 e 13 de maio, na praça Alencastro, Centro de Cuiabá, e integrou a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA), que se estende até o mês de setembro com várias ações sob o tema “Reforma Agrária Popular e Projeto de País”.

Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com dados de 2015, Mato Grosso é o 3° estado mais machista do país. No ano passado, o estado registrou 85 mortes violentas de mulheres, conforme dados divulgados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp-MT). Desse total, 43, ou seja, 50,5%, foram vítimas de feminicídio. Os dados apontam ainda que cerca de 41.345 mulheres sofreram algum tipo de violência, sendo registrados 578 casos de violência sexual e 422 casos de estupros.

Feminicídio é o assassinato cometido contra a mulher por ela ser mulher. De acordo com os dados preliminares do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, em 2021 ocorreram no país um total de 1.319 feminicídios, sendo em média, uma mulher vítima de feminicídio a cada 7 horas. A taxa de mortalidade por feminicídio foi de 1,22 morte a cada 100 mil mulheres.

Durante a roda de conversa, foram expostos vários cartazes e fotografias que retratavam outros tipos de violência contra a mulher e suas estatísticas. O objetivo da dinâmica era que as participantes olhassem cada cartaz e fotografia e relatassem alguma experiência ou pensamento remetidos após a observação.

Violência verbal – A violência verbal foi pauta na roda através do cartaz que dizia: “Nem toda violência é física”. A violência verbal se manifesta através de palavras que têm a intenção de ser danosa, humilhar, constranger, desqualificar, ameaçar ou coagir. Várias participantes da roda afirmaram que em algum momento da vida sofreram violência verbal de conjugues, pais, outros familiares, empregadores ou colegas de trabalho.

A violência verbal pode se transformar em violência psicológica, visto que a vítima passa a interiorizar as verbalizações, acreditando ser aquilo que lhe é dito. A violência verbal e psicológica acontece em vários ambientes. A atriz do coletivo Cena Livre de Teatro, Ana Carolina de Melo, escolheu uma fotografia que ilustrava o silenciamento das mulheres. Ela trouxe para a discussão a violência psicológica sofrida pelas mulheres e a consequência dessa agressão emocional. Ana relatou o caso de sua mãe, que após anos aguentando pressão psicológica no ambiente de trabalho, foi acometida pela depressão.

Já a marceneira Natalie Borges D’Elia, que estava expondo seu trabalho na feira, relatou que é normal acharem que, porque ela ser mulher, não é capaz de desenvolver o trabalho de marcenaria. Natalie relatou que, diversas vezes, já passou por constrangimentos transvestidos de elogios:

“Já teve casos de falarem que não acreditaram que era eu quem fazia, achavam que era o trabalho de um homem. Várias vezes fui entregar encomendas, elogiavam o trabalho e falavam: ‘É do seu pai? Do seu marido?’. Nunca acham que o trabalho é meu”.

Os tipos de violências e relatos apresentados na roda foram diversos, em sua maioria com o embasamento da desigualdade salarial. Resolver a diferença salarial é fundamental para emancipação econômica da mulher do campo e urbana. No Brasil, as mulheres ganham 20,5% a menos que os homens. O machismo é estrutural e dentro desse cenário econômico, os homens têm, além da força física, o poder aquisitivo e financeiro para dominar as mulheres, tratando-as como posse e objeto. Foi notável observar que a maioria das mulheres afirmou o pedido de união entre elas.

Uma das organizadoras da roda, a professora do curso de Psicologia da Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT), Mirian Toshiko Sewo, chamou a atenção para a urgência de uma intervenção pública para combater a violência contra a mulher.

“É importante frisar que é urgente que o estado de Mato Grosso coloque no centro de sua atenção essa realidade de violência contra as mulheres, que mobilize os diversos setores, públicos e privados, chamando para a realização de atividades concretas de educação nas escolas, nas igrejas, nos projetos sociais e demais grupos comunitários e que destine recurso significativo para fomentar projetos que tenham como mote uma vida mais digna para as mulheres de Mato Grosso”, declarou.

A roda de conversa foi encerrada com gritos em prol do feminismo e sua força e com uma ciranda embalada por uma música que traz a união feminina e diz assim: “Companheira me ajude, eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor!”.

Manifestação Pública – A integrante do Coletivo de Mulheres Camponesas e Urbanas de Mato Grosso, Gloria Maria Munoz, convidou as participantes da roda de diálogo para uma manifestação pacifica contra a violência sexual, que acontece no dia 8 de todo mês, às 16h, na praça Rachid Jaudy, em Cuiabá. “Nossa luta é para que mulheres não passem mais por situação de violência. Para que a violência sexual não seja desculpada, não seja mais tolerada”, frisou.

 

Aline Valentin Lopes/ Equipe de Comunicação Popular da JURA
Fotos: Equipe de Comunicação Popular da JURA